sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Igreja precisa redefinir papéis de homem e mulher para melhorar a sociedade-diz Psicóloga

A mulher masculinizada de hoje precisa resgatar sua sensibilidade; mas o homem necessita se dar o direito de ser sensível. Psicóloga cristã defende uma redefinição de papéis entre os gêneros na igreja, como resposta às crises da sociedade.
Tudo bem que a inspiração e as motivações do cantor Pepeu Gomes, ao compor a música Masculino e feminino, podiam ser as mais diversas possíveis. Mas ele acertou na mosca com versos como “Ser um homem feminino/Não fere o meu lado masculino” – ao menos, na opinião da psicóloga clínica Isabelle Ludovico. Francesa, radicada no Brasil desde a juventude, cristã e casada com o pastor Osmar Ludovico, ela tem uma teoria muito clara sobre a questão. “O princípio feminino é o princípio da vida, do afeto, que é importante tanto para a mulher como para o homem”, defende. “O homem precisa se dar o direito de ser sensível”. E ela não diz isso para levantar bandeiras feministas e, muito menos, antimachistas.
No seu entender, embora Deus tenha criado homem e mulher com papéis sexuais e sociais definidos, a ternura não deve ser perdida jamais. “Fomos criados para amar. Só que, ao longo da história, sempre se proibiu o homem de desenvolver esse princípio feminino, gerando assim o modelo do machão bruto, amputado de sua afetividade – um ser incapaz de acolher seus medos e vulnerabilidades.”
Dona de uma formação multidisciplinar, que envolve graduação em economia e especialização em terapia familiar sistêmica, Isabelle conversou com CRISTIANISMO HOJE sobre questões comportamentais e seus desdobramentos sobre a família, a sociedade e a Igreja.
Acerca desta, aliás – que conhece muito bem, já que tem uma longa trajetória evangélica como palestrante, escritora, conselheira e uma das líderes da Comunidade de Jesus, em São Paulo –, entende que terá muito a ganhar com uma participação feminina efetiva: “A contribuição das mulheres na liderança é legítima, já que o Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo”. Confira a entrevista:
CH -  Em seus trabalhos, a senhora menciona bastante o que chama de princípio feminino. Pode defini-lo?
ISABELLE LUDOVICO – O princípio feminino é o princípio da vida, do afeto, que é importante tanto para a mulher como para o homem. A mulher masculinizada de hoje precisa resgatar sua sensibilidade; mas o homem necessita se dar o direito de ser sensível. Acontece que, na nossa cultura, o homem mais sensível é logo taxado de efeminado. No entanto, homem e mulher são chamados a equilibrar emoção e razão, desenvolvendo a famosa inteligência emocional. O princípio feminino faz desabrochar a mulher e propicia uma nova masculinidade. Ele precisa ser resgatado tanto pelos homens quanto pelas mulheres, a fim de tornar o ser humano mais inteiro, mais terno. Deus criou o homem e a mulher iguais em essência, valor e dignidade, mas diferentes na sua sexualidade. Segundo as Escrituras, eles estavam nus, mas não se envergonhavam disso porque havia respeito entre eles e Deus. Repare que o Senhor incumbiu a ambos – homem e mulher – de, juntos, governarem a terra. Mas, movidos pela ânsia de poder, pelo desejo de ser, na expressão bíblica, “como Deus”, eles quebraram a comunhão com o Criador. Assim, escolheram o poder, em vez do amor.
Essa ruptura está na origem dos conflitos entre os gêneros?
Sim, porque, com a queda, logo, começaram as acusações mútuas e cada gênero criou seus mecanismos de defesa para se proteger do outro. O homem deu à mulher o nome de Eva – mãe de todos –, e tratou de governar sozinho. Dali em diante, as relações humanas foram se esfarelando. A ganância nos levou à beira da destruição pelo esgotamento dos recursos naturais, pela poluição, pelo aumento da disparidade entre ricos e pobres, pela exploração do homem pelo homem, pela violência. Se não houver um resgate do princípio feminino que nos leve à solidariedade, à justiça social, ao desenvolvimento sustentável, à simplicidade e à equidade, estaremos determinando o nosso fim.
Esse principio feminino é fundamental, também, para os homens?
Todo ser humano tem dentro de si o princípio feminino e o princípio masculino – eros e logos, yin e yang, como quisermos denominar essas duas forças. Como diz a filósofa francesa Paule Salomon, “nascemos num corpo sexuado, mas temos que descobrir que nosso psiquismo é bissexuado. E, quanto mais aceitamos esta bissexualidade, mais evoluímos”. O que se espera é que o princípio dominante esteja em harmonia com a identidade biológica do indivíduo; mas a sociedade, ao longo da história, sempre proibiu aos homens desenvolver esse princípio feminino, gerando assim o modelo do machão bruto, amputado de sua afetividade – um ser incapaz de acolher seus medos e vulnerabilidades. Fomos criados para amar. Esta é a essência do ser humano. Mas preferimos dar lugar à razão: o famoso dito “Penso, logo existo”, de Descartes, expressa bem isso. Só que a consequência mais visível desse mundo racional é sua situação hoje, à beira da destruição.
E o tradicional papel bíblico da submissão feminina, como fica no meio de tudo isso?
O conceito bíblico é de submissão mútua. O homem e a mulher foram comissionados para, juntos, governarem a terra. A submissão imposta de forma unilateral às mulheres é, também, fruto da queda do gênero humano. Os homens são exortados a amar suas esposas como Cristo amou a Igreja, dando sua vida por ela. Não há submissão maior do que esta! Em Cristo, podemos resgatar o projeto original da criação, pois somos restaurados na nossa unidade e parceria. O que mais me preocupa é a atitude de muitos homens hoje em dia: eles são omissos, irresponsáveis, acomodados, paralisados diante desta mulher poderosa e questionadora. As mulheres estão crescendo e muitos homens encontram-se estagnados. Acontece que, numa cultura machista, o homem tem que ser forte e não pode expor a sua vulnerabilidade, principalmente na área sexual. E as igrejas reforçam este preconceito quando tendem a ser uma galeria de santos, em vez de um hospital de pecadores, de pessoas machucadas e em processo de restauração. Como diz Brennan Manning, somos todos maltrapilhos, mas escondemos nossa condição atrás de títulos e máscaras. Há mais sinceridade numa reunião dos Alcoolicos Anônimos do que na igreja. O que esses homens precisam lembrar é do conselho de Paulo, de que devemos nos gloriar nas nossas fraquezas, porque é nelas que experimentamos o poder de Deus. Quem nega suas falhas está desprezando a cruz e se privando do poder de restauração que se encontra na confissão.
Em seu livro O resgate do feminino (Mundo Cristão), a senhora fala que essa inversão de papéis enfraquece as relações familiares. Como isso pode ser percebido?
É sabido que as mulheres, hoje, estão dando prioridade à sua carreira profissional. Com isso, o projeto de ter filhos é protelado – a menos que os filhos sejam entregues aos cuidados de terceiros. Assim, a disponibilidade de tempo e afetividade da mãe em relação aos seus filhos é mínima. Por outro lado, a culpa pela ausência dificulta a colocação de limites saudáveis, o que acarreta o recurso às compensações materiais. Nos dias de hoje, muitos pais estão delegando à escola – ou à igreja, no caso dos crentes – a tarefa de educar seus filhos. Então, eles acabam sendo “educados” pela TV ou passam muitas horas jogando videogame. O tempo de qualidade em família é raro, pois os pais chegam cansados em casa.
Mas isso é resultado de nosso tempo, não?
Sim, porque com as conquistas nos campos pessoal e profissional, as mulheres acabaram assumindo múltiplas demandas, uma vez que, de modo geral, ainda não conseguiram dividir as responsabilidades em relação à casa e às crianças com o homem. Assim, elas ficam estressadas e sua relação amorosa é tensionada por tantas cobranças – e, muitas vezes, acabam sozinhas, pois o homem se ressente dessa dinâmica e tende a se retrair e se fechar. É uma situação muito preocupante.
Essa ruptura com os papéis femininos tradicionais não era inevitável, sobretudo depois da revolução sexual dos anos 1960?
Durante séculos, a mulher foi limitada ao papel de mãe e dona de casa. Então, para conquistar seu lugar num mundo construído pelos homens, ela quis provar sua capacidade competindo com eles. No entanto, isso a levou ao outro extremo: o de negligenciar seu lado feminino. Muitas mulheres estão até escolhendo não ter filhos em prol da carreira profissional, ou deixam a maternidade para mais tarde. Outras não querem nem saber de entrar numa cozinha. Creio que está na hora de resgatar aquilo que era obrigação e hoje pode ser assumido como escolha livre, o que faz toda a diferença. Mas é injusto que a responsabilidade pela família seja dada exclusivamente às mulheres. A mãe é essencial nos primeiros meses, enquanto amamenta, mas logo a figura paterna se torna muito importante. Os filhos precisam de modelo masculino e feminino. Uma relação prazerosa entre marido e mulher é que gera famílias estruturadas e filhos emocionalmente equilibrados.
E onde entra a ação divina nessa mudança de comportamento?
O resgate do principio feminino por homens e mulheres tem consequências na qualidade da vida afetiva, inclusive com Deus. Ele desperta capacidades com a de escuta, entrega, paixão, dependência, humildade, discernimento e compaixão. O principio feminino no homem, que Jung chamou de anima, lhe abre o caminho do coração e facilita, inclusive, a sua relação com Deus. Portanto, reintroduzir a dimensão afetiva é hoje uma questão de sobrevivência da espécie humana – só assim poderemos cumprir nossa missão de abrir a via da interioridade e da intimidade, tornando-nos receptivos ao amor de Deus, que nos fecunda e nos transforma à sua imagem. Reconciliar o feminino e o masculino em nós vai nos conduzir a uma unidade além da dicotomia: a de sermos um em Cristo.
Isso não leva a uma inversão dos papéis tradicionais do homem e da mulher?
Não, porque o conceito bíblico é de submissão mútua. O homem e a mulher foram comissionados para, juntos, governarem a terra. A submissão imposta de forma unilateral às mulheres é fruto da queda do gênero humano. Os homens são exortados a amar suas esposas como Cristo amou a Igreja, dando sua vida por ela. Não há submissão maior do que esta! Em Cristo, podemos resgatar o projeto original da criação, pois somos restaurados na nossa unidade e parceria.
Que efeitos positivos essa valorização da ênfase feminina pode ter para a Igreja?
Como expresso em meu livro, o resgate do principio feminino deveria levar a uma transformação na liderança das igrejas. Não se trata das mulheres ocuparem o lugar dos homens, mas de introduzir uma liderança colegiada, composta por homens e mulheres: um corpo, com diferentes dons. A figura de um pastor único à frente da igreja não é o modelo do Novo Testamento. É uma herança do modelo sacerdotal judaico. A contribuição das mulheres na liderança da Igreja é legítima, já que o Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo. Mas esta participação precisa levar a uma transformação do modelo de liderança – de um modelo hierárquico com um líder solitário à frente da igreja, para um modelo de corpo, com um colegiado de pastores e líderes, homens e mulheres, numa igreja onde todos são chamados a contribuir conforme os dons que receberam. Um modelo de rede, mais participativo e descentralizado.
De um ano para cá, desde a flexibilização das leis que regem o contrato conjugal, o número de divórcios deu um salto no país. Hoje, em muitos casos, pode-se anular um casamento com uma única ida ao cartório. O que levou a essa banalização?
O casamento é visto por muita gente como uma sociedade que pode ser rompida quando alguma cláusula não é cumprida. Todo casal tem conflitos, mas o vínculo é o que a gente faz dele. Quando não se sabe lidar com as diferenças, nem se desenvolvem qualidades como a tolerância na relação, esse vínculo vai se romper. No entanto, amar e ser amado é o anseio maior de todo ser humano – por isso, acho que a instituição do casamento vai se manter, mesmo que a taxa de divórcios seja grande.
Não há estatísticas específicas, mas a observação geral nas igrejas é que os divórcios entre crentes também têm sido mais frequentes. Por que isso acontece?
Para nós, cristãos, o matrimônio é uma aliança, um vínculo construído na Rocha, que é Jesus. A união matrimonial, para o crente, é um compromisso pautado na aliança de Cristo com a Igreja. O maior motivo para os divórcios é que as pessoas casam com expectativas irreais do tipo “ser feliz para sempre”. Os crentes tendem a fugir dos conflitos, a esconder as crises e mascarar os problemas, e assim vão acumulando as decepções até não aguentar mais. Muitos relutam em buscar ajuda e tentam manter uma fachada de felicidade conjugal até o fim, buscando soluções mágicas. Há pouca transparência e as pessoas tendem a se mostrar mais “perfeitas” do que são. E as igrejas não abordam muito as questões sexuais, a pornografia, o abuso físico, emocional e sexual. Elas deveriam é incentivar a criação de mais espaços de sigilo e respeito, onde as pessoas pudessem externar sua fragilidade, suas dores e conflitos.
Muita gente diz, genericamente, que a “falta de conversão” está na raiz de tantos conflitos. A senhora concorda?
A realidade mostrou que a “conversão” não representava, automaticamente, uma mudança de comportamento. Neste ponto, temos que rever nosso conceito de conversão, que significa hoje, basicamente, responder a um apelo e adotar uma declaração de fé. Mas a conversão é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada de santificação que dura a vida inteira. É estarrecedor perceber que a taxa de divórcio entre evangélicos é parecida com a taxa nacional. A incidência de abuso físico é a mesma também! A gente fere com o que está ferido em nós.
No meio evangélico, ainda se confundem bastante os papéis do pastor, do conselheiro cristão e do profissional de psicologia. Há até pastores e dirigentes evangélicos que fazem cursos simples, na área de psicologia, para “habilitar-se” mais ao trabalho de aconselhamento. O que os psicólogos cristãos pensam a respeito?
De fato, a vida espiritual e emocional estão interligadas e ainda há uma tendência a extrapolar a área de atuação de cada um. Não posso falar em nome dos psicólogos, apenas no meu. Acho bom que os pastores se informem sobre psicologia, para aprimorarem sua prática pastoral. A primeira coisa que irão perceber é que aconselhar não significa dar conselhos, mas apenas ajudar a pessoa a enxergar melhor as opções à sua frente. Participo da Comunidade de Jesus em São Paulo, onde não há pastor remunerado pela igreja e um dos presbíteros é psicanalista. Lá, ele exerce o seu dom na área de ensino e direção espiritual, numa relação de reciprocidade e edificação mútua dentro do Corpo de Cristo.
A questão da homossexualidade envolve as mais variadas polêmicas. Uma delas, e talvez das principais, é quanto à sua origem – é comum, no meio evangélico, a tese de que ela pode ser revertida para a heterossexualidade, considerada o padrão de Deus para o ser humano. No entanto, grupos de defesa dos direitos dos homossexuais e uma grande parcela dos seus colegas psicólogos dizem que isso é impossível. Para eles, a mudança é apenas comportamento sugestionado ou uma tentativa que, ao fracassar, acarreta sofrimento psicológico. O que a senhora diz?
Assim, a própria natureza denuncia a inviabilidade desse tipo de relação. Um casal homossexual não pode se reproduzir. A Bíblia também é clara a respeito do assunto. Tenho acompanhado pessoas que sofriam por terem sido iniciadas sexualmente e de forma abusiva por pessoas do mesmo sexo, o que as colocava em conflito com sua identidade física e com seus valores espirituais. Ao tratar do abuso, essas pessoas puderam se reconciliar consigo mesmas e iniciar uma relação heterossexual prazerosa e duradoura. A sexualidade humana é uma construção biológica e psicosocial. Eu conheço pessoas que se consideravam homossexuais e se tornaram heterossexuais. Mas eu nunca fui procurada por um homossexual que quisesse permanecer nesta condição, e não estaria qualificada para esta demanda.
post inforgospel.com.br – com informação CristianismoHoje 

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